Nota de Repúdio à coluna de Ferreira Gullar na Folha de S.Paulo

Pois então... Vira e mexe aparece alguém que nunca entrou em um CAPS, não sabe sequer o que esta sigla significa, criticando a Reforma Psiquiátrica brasileira. Na verdade minha intenção em divulgar a coluna do Sr.Ferreira Gullar nem é levantar bandeira da Reforma (embora seja eu sim mais uma dos milhares -ou milhões- de militantes do Movimento Antimanicomial), mas antes, minha intenção é demonstrar meu repúdio ao desrespeito que o poeta teve para com os trabalhadores, usuários e familiares da saúde mental de nosso país. Trabalhadores que lidam diariamente com a doença mental, com a crise de casos gravíssimos, são, em sua maioria, pessoas apaixonadas pelo que fazem, poucos trabalhadores da saúde pública são tão comprometidos com o que fazem. Ferreira Gullar demonstrou total desrespeito para com este trabalho afirmando que os casos mais graves que não podem contar com a internação (manicomial) acabam tornando-se mendigos... Imagino como deve ter sido revoltante ler afirmação como esta para quem lida com a dificuldade diária de uma crise psicótica... Assim como é dificil ler alguém com a opinião de que os manicomios estão muito bons, têm até cinema não é poeta? Então isso é o suficiente? "A gente não quer só comida...".
Todo sujeito tem o direito ao exercício de sua singularidade, à sua construção particular enquanto cidadão!

Bem, divulgo então a coluna do poeta Ferreira Gullar, tenho certeza que se demonstrarmos nosso incomodo com relação às suas afirmações, certamente o poeta irá rever seus "conceitos"..
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Folha de S.Paulo, 12abr2009
FERREIRA GULLAR

Uma lei errada

Campanha contra a internação de doentes mentais é uma forma de demagogia


ACAMPANHA contra a internação de doentes mentais foi inspirada por um médico italiano de Bolonha. Lá resultou num desastre e, mesmo assim, insistiu-se em repeti-la aqui e o resultado foi exatamente o mesmo.
Isso começou por causa do uso intensivo de drogas a partir dos anos 70. Veio no bojo de uma rebelião contra a ordem social, que era definida como sinônimo de cerceamento da liberdade individual, repressão "burguesa" para defender os valores do capitalismo.
A classe média, em geral, sempre aberta a ideias "avançadas" ou "libertárias" , quase nunca se detém para examinar as questões, pesar os argumentos, confrontá-los com a realidade. Não, adere sem refletir.
Havia, naquela época, um deputado petista que aderiu à proposta, passou a defendê-la e apresentou um projeto de lei no Congresso. Certa vez, declarou a um jornal que "as famílias dos doentes mentais os internavam para se livrarem deles". E eu, que lidava com o problema de dois filhos nesse estado, disse a mim mesmo: "Esse sujeito é um cretino. Não sabe o que é conviver com pessoas esquizofrênicas, que muitas vezes ameaçam se matar ou matar alguém. Não imagina o quanto dói a um pai ter que internar um filho, para salvá-lo e salvar a família. Esse idiota tem a audácia de fingir que ama mais a meus filhos do que eu".
Esse tipo de campanha é uma forma de demagogia, como outra qualquer: funda-se em dados falsos ou falsificados e muitas vezes no desconhecimento do problema que dizem tentar resolver. No caso das internações, lançavam mão da palavra "manicômio", já então fora de uso e que por si só carrega conotações negativas, numa época em que aquele tipo hospital não existia mais. Digo isso porque estive em muitos hospitais psiquiátricos, públicos e particulares, mas em nenhum deles havia cárceres ou "solitárias" para segregar o "doente furioso". Mas, para o êxito da campanha, era necessário levar a opinião pública a crer que a internação equivalia a jogar o doente num inferno.
Até descobrirem os remédios psiquiátricos, que controlam a ansiedade e evitam o delírio, médicos e enfermeiros, de fato, não sabiam como lidar com um doente mental em surto, fora de controle. Por isso o metiam em camisas de força ou o punham numa cela com grades até que se acalmasse. Outro procedimento era o choque elétrico, que surtia o efeito imediato de interromper o surto esquizofrênico, mas com consequências imprevisíveis para sua integridade mental. Com o tempo, porém, descobriu-se um modo de limitar a intensidade do choque elétrico e apenas usá-lo em casos extremos. Já os remédios neuroléticos não apresentam qualquer inconveniente e, aplicados na dosagem certa, possibilitam ao doente manter-se em estado normal. Graças a essa medicação, as clínicas psiquiátricas perderam o caráter carcerário para se tornarem semelhantes a clínicas de repouso. A maioria das clínicas psiquiátricas particulares de hoje tem salas de jogos, de cinema, teatro, piscina e campo de esportes. Já os hospitais públicos, até bem pouco, se não dispunham do mesmo conforto, também ofereciam ao internado divertimento e lazer, além de ateliês para pintar, desenhar ou ocupar-se com trabalhos manuais.
Com os remédios à base de amplictil, como Haldol, o paciente não necessita de internações prolongadas. Em geral, a internação se torna necessária porque, em casa, por diversos motivos, o doente às vezes se nega a medicar-se, entra em surto e se torna uma ameaça ou um tormento para a família. Levado para a clínica e medicado, vai aos poucos recuperando o equilíbrio até estar em condições que lhe permitem voltar para o convívio familiar. No caso das famílias mais pobres, isso não é tão simples, já que saem todos para trabalhar e o doente fica sozinho em casa. Em alguns casos, deixa de tomar o remédio e volta ao estado delirante. Não há alternativa senão interná-lo.
Pois bem, aquela campanha, que visava salvar os doentes de "repressão burguesa", resultou numa lei que praticamente acabou com os hospitais psiquiátricos, mantidos pelo governo. Em seu lugar, instituiu-se o tratamento ambulatorial (hospital-dia) , que só resulta para os casos menos graves, enquanto os mais graves, que necessitam de internação, não têm quem os atenda. As famílias de posses continuam a por seus doentes em clínicas particulares, enquanto as pobres não têm onde interná-los. Os doentes terminam nas ruas como mendigos, dormindo sob viadutos.
É hora de revogar essa lei idiota que provocou tamanho desastre.
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Mais uma resposta à Ferreira Gullar.

Prezado Ferreira Gullar
Certa vez você escreveu assim:

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

Quero acreditar que quem escreveu a coluna deste domingo de páscoa tenha sido apenas uma parte de você. Uma parte que não conhece os enormes avanços que a Reforma Psiquiátrica Brasileira e a lei (à qual você se refere como idiota), puderam fazer na vida e na história dos milhares de familiares e usuários com os quais lidamos no nosso dia-a-dia de trabalhadores da Saúde Mental. Antes desta lei - que não foi daquelas que surgiu de traz da orelha de um cretino qualquer, mas resultado de um processo de mais de 10 anos de discussão, luta, enfrentamentos e negociações - familiares e pacientes tinham no manicômio único modo de ter e oferecer "tratamento" para suas loucuras ou doenças mentais. A mesma parte que desconhece que existem sim em nosso País e em outros: manicômios - com este nome ou com outros mais amenos - que continuam a ferir direitos mínimos aos seus "frequentadores", manicômios que ainda mantêm pessoas encarceradas por 20, 30 ou mais anos, condenadas à reclusão simplesmente pelo fato de serem doentes mentais.
Não quero acreditar que um poeta sensível como você consiga enxergar na doença de seus filhos somente pessoas dispostas a matar ou morrer quando estão em crise, outra parte de você, certamente, conhece muitas outras facetas e singularidades que só quem convive de perto com a esquizofrenia ou outras doenças mentais pode experimentar. Por isso minha carta é um convite... um convite para que você escute a outra parte de si mesmo e desta história que você conta de maneira rasteira e parcial, uma história que tem lá suas dificuldades e imperfeiçoes (e bem sabe você que num mundo perfeito não haveriam poetas) mas é uma história bonita e legítima e que merece no mínimo respeito. Convido outra parte de você a conhecer um CAPS (ou serviço deste tipo) e escutar o depoimento de usuários e familiares que lá frequentam, e que puderam mudar suas histórias por causa das transformações que esta lei provocou em suas vidas. Uma parte de você também não sabe que a hospitalização, de qualquer natureza, não é mais a única solução para as chamadas crises, existe muito mais a ser fazer...Outra parte de você também ficaria encantado em saber que esta lei contruiu muito mais coisas do que descontruiu, descontruiu os manicômios, mas construiu um sem número de outras possibilidades, dispositivos, formas de tratamento, além de muita arte, música e poesia...Creio sinceramente que quem escreveu este artigo é a parte de você que ainda não conheceu a outra parte da história...então venha conhecê-la, tenho certeza de que nenhuma parte de você irá se arrepender.

saudações antimanicomiais

Rita de Cássia de A. Almeida
Juiz de Fora/MG
trabalhadora de CAPS e militante da reforma psiquiátrica brasileira há 12 anos.

Comentários

Anônimo disse…
Será que esses ferrenhos revoltados contra o desabafo do poeta Ferreira Gullar já conviveram com alguem em surto ?

Será que já passaram por isso em sua familia ou em sua casa?

Fácil indicar o caminho quando não se tem que segui-lo.
Anônimo disse…
Concordo com Ferreira Gullar.
Os CAPS não passam de mini manicômios lotados de doentes mentais desvalidos e os empregados agem como se estivessem fazendo favor.
Ei cambada! Vocês são pagos pra trabalhar e têm de fazê-lo com muito zelo.
No hospital psiquiátrico e no CAPS, tem de trabalhar!
CAPS é falsa liberdade!
Nercinda C Heiderih disse…
Acróstico para





ana carolina cordovil heiderich silva







pode parecer egoísmo da minha parte já que tenho mãe viva.





a saudade que você deixou me consome a cada dia

Nada me consola desde o dia em que fostes para sempre.

A minha vida não tem sentido algum. Somente vivo.



Caminho muitas vezes sem direção,

A Minh’ alma está cansada, ferida

Resíduos daquelas horas vividas

os horrores vividos por você naquele confinamento

lânguida se tornou em meio às feras nesta selva

íngrime, cercada por todos os lados

não! ninguém merece tamanho sofrimento!

a mim resta conviver com o sentimento de culpa



clínica de repouso!!! repouso eterno.

Onde ali se encontram os destinados a morrer

réus da própria vida e se tornam réus da própria instituição

donde poucos sobrevivem ao acaso do destino.

Onde apenas se ouve os gritos horripilantes dos excluídos

varridos por uma sociedade podre, hipócrita, desumana

ignorante, vil, que se denominam cristãos, médicos,enfermeiros

Libertos? não! Escravos do sistema. Os mais inteligentes entendem.



Habitas no recôndito de deus, disso não tenho dúvidas.

espero muito em breve encontra-la

Infelizmente ainda tenho que aprender a perdoar,

Dar as mãos aos que tanto mal lhe causaram,

estar pronta a ajudar a quem precisa como você fazia,

Reconciliar comigo mesma e me perdoar para perdoar.

imita-la nas boas obras.

conviver com os excluídos e ter deles compaixão.

honrar o nome de cristo como você , nos seus momentos tranqüilos



Sua vida foi muito curta mas, intensa.

Incompreendida mas sincera.

liberdade de expressão? Isto lhe foi negado.

Valores? valorizava o ser e não o ter.

Até breve! filha minha!!!





sua mãe; nercinda claresminda heiderich

Já fostes visitar uma dessas clínicas?

É difícil acreditar que um poeta que expressa sentimento humano,que fala de amor ignora o fechamento dos manicõmios.

Espero que antes de comentar minhas falhas dentro do poema coloque em primeiro lugar,os sus verdadeiros sentimenos e deixe fluir o poeta sentimental que sempre influenciou centenas de leitores admiradores de textos poéticos.

Minha filha fazia parte desse grupo.
Anônimo disse…
É triste fazermos parte de um sistema falido
Anônimo disse…
Em upa de Curitiba, paciente foi vítima do descaso total. Geriatra atendeu novato, sem noção nenhuma de medicar qualquer ser vivo. Um energúmeno, mentecapto, criminoso atendeu como clínico geral e pescreveu veneno de psiquiatra para paciente com ansiedade generalizada e síndrome do pânico. Ele prescreveu HALOPERIDOL injetável dose cavalar dizendo que era calmante causando efeitos colaterais monstruosos como tremores e acatisia entre outros efeitos devastadores e irreversíveis. Como pode ser tão cruel?? Um monstro. Pescreveu haloperidol injetável? Para quem não tomava nenhum medicamento forte. Haloperidol é um antipsicotico potente e perigoso. Bloqueia a dopamina e muda a química do cérebro. Injetável causa problemas de coração e muitas vezes leva a óbito. Funciona como uma camisa de força. Usado antigamente para eliminar pacientes em hospícios. Que médico é este? Um canalha, um verme, um lixo de profissional. Geriatra Paulo Jorge cezario...criminoso sem noção Isto é Brasil...Acabando com uma família inteira. Porque a família sofre junto....e depois de três meses começou a entortar o corpo e levaram no upa novamente e um psiquiatra assassino psicopata lixo insistiu que paciente tomasse injeção de biperideno causando taquicardia grave e disfunção geral. Acabaram com a vida de uma jovem mãe
Anônimo disse…
São uns monstros

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