O sentimento trágico da vida. Viver, não mais existir. Essência, não mais existência.
Deitado em seu quarto a olhar a lâmpada acesa que em nada lembra os luares por ele contemplados. Pensa no que foi feito de tudo que desejou fazer; tudo que deveria ser... Poderia voltar atrás? E voltando, saberia o que reparar?
Os pensamentos e sentimentos da inocência já iam longe, num passado onde ele se perdeu.
Os gritos rebeldes e a voz revolucionária de sua juventude hoje diziam pausadamente: - Por favor, obrigado, com licença, adeus.
Entregara-se mesmo nas mãos da vida que tanto desprezava.
Já nem mesmo ocupava-se de pensar na morte, característica que fez dele um misterioso escritor de futuro promissor... Seu futuro tornara-se passado.
“Não cometa os erros que cometi”, lembrava-se de seu pai, que até o último sopro de vida tentou ensinar-lhe a viver. Mas sua estrada seria traçada a cada passo, sabia o que era melhor para si...
Já não pensava na vida. Apenas seguia. Não havia mais estrada. Apenas os passos.
Às vezes pensava, dentro do ônibus a caminho de casa, que aquele poderia ser seu último dia, poderia mesmo ser atropelado, atingido por um raio ou salvo por um tiro de misericórdia que o livraria desta existência estéril e privaria todos de sua hipocrisia contagiante.
Não havia nada a fazer. Chegara à conclusão que tudo era inútil, a vida era uma merda; soube disso ao concluir que tudo é movido pelo desejo e este só pode ser reduzido aos olhos.
Pensou em arrancá-los, afinal “se teu olho te faz pecar, arranca-o e lança-o fora, pois melhor é que teu olho vá para o inferno, que teu corpo inteiro”. Mas restavam-lhe ainda quatro sentidos e estes, além de enxergarem muito bem e desejarem ferozmente, dificilmente poderiam ser extirpados. Depois pensava que tudo isso era uma grande besteira e que o melhor a fazer era seguir as recomendações de algum psiquiatra. Lembrou-se de um tempo onde acreditava que o mundo seria bem melhor se os sentimentos que nos constituem humanos fossem anestesiados. Amor, cólera, asco, inveja, calúnia, luxúria, desejo, saudade... Restava-lhe apenas um sentimento: A nostalgia.
Tinha plena consciência de que seu sentimento era verdadeiro. Seu tempo havia passado. Resolveu começar a acreditar no tempo.
Já sabia tudo que deveria, angustiava-se por não ter o que descobrir.
O furor e a inconstância eram sentimentos juvenis e passageiros. Sua angústia era permanente.
Não havia esperanças para seus sonhos, seus ideais não guardavam lógica alguma e seu coração o enganara.
De pensar que a vida se encarregaria de resolver tudo! O tempo daria tempo ao tempo. Que coisa mais absurda. O tempo passou, a noite acabou, o dia raiou, nada mudou, exceto o fato de agora termos uma noite a menos.
Pensava em morrer e preocupava-se com o tempo que lhe restava. Não era especial em nada, seu talento se perdera.
Será mesmo tudo produto do caos?
“Corrida atrás do vento”.
Lembrava-se de um professor a quem tanto atacou, contrapondo existencialismo ao niilismo; antes via em tudo uma beleza efêmera e por isso mesmo poética. Agora toda beleza estava morta, não havia poesia em nada. Começava mesmo a considerar-se um niilista.
Via em seu modo de vida uma decadência deprimente de onde não poderia ser salvo.
O mundo tornara-se uma prisão, onde ele próprio condenara-se a viver...

“Esta vida que agora contemplas é uma ilusão e todas as tentativas de dizer o indizível foram em vão. Há apenas uma verdade e diante da impossibilidade de suportá-la é preciso fugir.”
Havia nele uma alegria radiante, que agora só encontrava em fotografias. É isso que elas têm... A possibilidade de nos enxergarmos como já não somos.
Finalmente estava chorando; depois de uma noite tentando adormecer em vão.
Tentava lembrar-se de um tempo onde acreditava poder ser salvo através do amor; agarrava-se desesperadamente à lembrança de um tempo onde o tempo não passava. E ele sonhava, tentando sobreviver.
“A inocência e a ignorância caminham lado a lado”,
Em sua juventude levantava questões que, acreditava, o marcariam por toda vida. Mas há muito descobrira que não é bem assim. Passara toda sua infância na ânsia de envelhecer. “Fomos de encontro à vida e a vida nos atingiu em cheio!”
Qualquer palavra seria pesada demais para ficar apenas no papel. Tamanha liberdade o sufocara. Estava clamando por tempo. Um tempo que não corre, não angustia nem faz desejar. Ponteiros que não se movem, um lugar só seu, onde pudesse repousar a caneta para voltar a sonhar. Há muito vivia uma fantasia por falta de coisa melhor, já não se lembrava há quanto tempo venerava o fim, vivendo neste passado que não lhe pertencia. Sua vida era tão sem graça que qualquer história de ônibus tornava-se potencialmente mais divertida. Já não saía mais à rua para ver as pessoas. “Porque isso nos acontece? Que mal temos feito a nós mesmos? Estamos vivendo em planetas diferentes, como chegamos até aqui? Costumávamos ser um só...”
Precisava encontrar alguém que lhe contasse uma história, a história de sua vida. Estava à procura de alguém que lhe mostrasse que não há sentido no ‘tudo’ que temos conquistado, alguém que lhe abrisse os olhos para o real significado. Em seu íntimo, esforçava-se para crer que não havia sequer uma razão para o ‘ser’. Quais seriam as palavras certas?

“Isso está mesmo acontecendo?
Eu estou mesmo aqui?
Quando foi que parti?
Quando foi que outro alguém
Assumiu meu lugar e conseguiu enganar a todos?”

De tudo que é mais inconsciente em sua alma brotavam questões que poderiam salvá-lo de um poço tépido e insípido proporcionando seus momentos mais paradoxais e insuportavelmente angustiantes. Então é isso. “No fracasso se encontra a essência do que é ser humano. Porque é preciso perder para ver.”
Tantas frases, tantas letras, diferentes idéias e inúmeras teorias, mas sabemos tão pouco sobre nós.
A manhã nasce assobiando uma canção; enquanto ele enfrenta a angústia de reconhecer ser possível recomeçar. De posse de todos os sentimentos que o constituem, cansado do ser humano e cansado de ser humano, cansado de sua fala falsa e de seu mórbido andar... Mas, ainda assim, disposto a ir até o fim.
Decidido a aceitar...

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