Coração Valente (o dia que não vai terminar)
31 de agosto de 2016. Um dia que jamais imaginei viver.
O dia de hoje prova que nosso país funciona do mesmo jeito
desde que o primeiro português botou os pés nessas terras. A maneira como a
corja de corruptos do Congresso Nacional – com o instrumento valioso da mídia
controlada pela elite burguesa mais sórdida do mundo – ludibriou a massa que
foi às ruas pelo fim da corrupção em nada difere do imaginário do português
entregando um espelhinho aos índios em troca de nossas terras.
Brasil, país colônia de exploração. O país onde o ditado: “farinha
pouca, meu pirão primeiro” traduz de maneira magistral as regras do jogo por
aqui.
"Democracia" brasileira. Nossa República data de
1889, mas desde 1930, de todos os presidentes eleitos pelo voto popular, apenas
4 terminaram seus mandatos. Isso é muito grave. Que democracia é essa onde os
eleitos pelo povo são retirados do poder por um pequeno grupo que quer atender
às demandas de uma minoria?
Mas, o grupo que impõe quem pode ou não governar o país no
cargo máximo da nação também é eleito pelo voto popular... então talvez
tenhamos uma democracia que funciona um pouco como monarquia. A maioria não dá
a devida importância aos seus votos em vereadores e deputados. Todo voto é
importante. Quando votamos em alguém para algum cargo, invariavelmente, estamos
dando-lhe o direito de decidir algo por nós. E isso sempre é importante!
Bom, com relação ao dia de hoje é difícil falar. Já chorei
algumas vezes.
Eu sou da geração de filhos da ditadura. Nasci no início da
década que viu chegar ao fim a ditadura no Brasil. A minha geração foi marcada
por essa história. Sabe, a gente ouvia no colégio e em casa todo dia: “vocês
não sabem o que é não poder cantar uma música porque ela foi censurada”, “valorizem
o direito de expressão que conquistamos com nossas vidas! O direito ao voto”. Ao
mesmo tempo ouvíamos também: “seu pai e eu estávamos nas ruas. Tivemos sorte,
não fomos pegos. Um vizinho nosso sumiu no AI-5. Dizem que suicidou”; “seu tio
foi torturado e depois ficou doido, dizia que perseguiam ele. Morreu no
hospício”. E cada dia havia um hospício novo para abrigar esse bando de loucos
que alegavam serem perseguidos pelo regime. Imagina, estava tudo transcorrendo
bem. Subitamente, houve uma epidemia de esquizofrenia paranoide no Brasil a
partir de 1968.
É. Hospício era um dos destinos dos revolucionários que
lutavam contra a ditadura.
Bem, eu não vi nada disso. Apenas li em livros, vi em
filmes, ouvi em canções e em relatos. Principalmente de minha mãe. Sempre estive
do lado esquerdo da história desse país. Porque, nesse país, o lado esquerdo
sempre foi o lado do povo, dos pobres. E, sabe, eu sempre fui adepta da
Teologia da Libertação de Leonardo Boff e Gustavo Gutierrez.
Confesso: sempre dei importância demais à política. Quando eu
era bem pequena, no primeiro processo eleitoral de voto popular após a
ditadura, mamãe viva cantando “Lula lá, brilha uma estrela”... Lula era um
coroa de barba que começava todas as frases com “companheiros e companheiras” e
sempre tinha gente atrás dele berrando, como se seu discurso fosse uma verdade
absoluta. Eu fui crescendo ouvindo Caetano e Chico. Zeca Pagodinho também,
claro, afinal, sou do subúrbio carioca.
O coroa de barba que arrastava multidões não venceu as
eleições. Em seu lugar, vi um rapaz jovem com discurso demagógico, mas
convincente, ganhar o poder e perdê-lo pouco tempo depois.
Na adolescência a política tomou tanto a minha vida que eu
já acordava às 7h para reuniões do Grupo Estudantil. Nessa época, o Partido dos
Trabalhadores já havia perdido outra eleição. Eu estava prestes a votar pela
primeira vez. E quando votei a primeira vez, vi Lula perder a sua terceira
eleição. Mas, jamais vi Lula tramar contra o vencedor das eleições por não
aceitar a derrota. A esquerda chegou novamente ao poder no Brasil em 2003. E nosso
país jamais foi o mesmo. Digam o que quiserem, contra fatos não há argumentos. O
PT não fez tudo que deveria fazer. Passou longe até... mas tivemos sim um
vislumbre de redução de desigualdade.
Só quem passou fome como eu passei, sabe a importância de um
bolsa-família. Eu sei, eu posso imaginar como a minha vida e de todos as
crianças pobres, filhos da ditadura - que deixou o país arrasado na miséria –
poderia ter sido diferente se tivéssemos bolsa-família, luz para todos, minha
casa minha vida, prouni...
Redistribuição de renda, redução da desigualdade social,
combate à fome, essas são ideias que fazem tremer os pilares dos que se mantém no
poder há séculos por meio da manutenção da pobreza: uma minoria bem pequena que
detém um poder conquistado às custas da escravidão e da indústria da miséria. Daqueles
que mantém a classe trabalhadora e pobre, sustentando com seu suor toda essa
engrenagem.
E não há outra razão que justifique o que assistimos hoje. É
a manutenção do poder de uma elite que é minoria ínfima, mas que detém muito
poder em suas mãos, contra um povo cheio de poder, mas subjugado. Será que
assim somos ainda? Qual o legado desses 13 anos da esquerda no poder?
Tivemos sim um
vislumbre de redução das desigualdades. Vejamos se o povo se levantará contra a
ameaça de perda de direitos. Uma coisa a história deixa bem claro: não há força
que resista ao povo brasileiro nas ruas, especialmente a força da periferia.
À Senhora Dilma Rousseff deixo um agradecimento do fundo do
meu coração. Eu discordei de quase tudo que a senhora fez desde 2013. Lembro que
rompi com a senhora em junho de 2013. Esperava mais. Esperava que a voz das
ruas – sim porque ali houve voz das ruas genuinamente – a instrumentalizasse
para fazer as reformas que precisávamos. Especialmente a reforma política.
Mas, agora, com esse golpe e tudo que aconteceu, a senhora
não só ganhou o meu respeito como mudou a minha vida. Porque jamais esquecerei
do que vivi nesses últimos meses e como a senhora foi exemplo, referência,
signo de luta. Demonstração de força, dignidade, honra.
Antes tarde do que nunca. Em minha opinião, a senhora
deveria ter feito isso há mais tempo, ter mostrado essa Dilma que vimos agora,
lá em 2013 ou 2014. Mas, isso não importa.
Jamais imaginei que viveria para ver um dia triste como esse
na história de meu país. Porém, jamais imaginaria também que, aos 35 anos,
teria eu ainda um exemplo tão forte e tão impactante que marcaria a minha vida.
E menos ainda que encontraria esse exemplo na política. É triste ver o que lhe
aconteceu Presidenta. Mas é também uma mensagem de esperança. E é por isso que
eu lhe agradeço. Choro com a injustiça que sofreste e com teu pronunciamento de
despedida. Mas, ao mesmo tempo, empodero-me com tua força!
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