Mais da vida...

(Leia ouvindo "O mistério do planeta" dos Novos Baianos, ou "O sal da terra" de Beto Guedes)
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A vida é muito, muito simples. Tenho vivenciado essa descoberta. Ultimamente, para mim, a vida tem se resumido a coisas simples como: comer o que a natureza fornece, viver em paz comigo. Não correr atrás do vento, atrás de uma soma de capital que nos serve a comprar o que não precisamos para impressionar quem não nos vê. Estar com quem se ama, amar e ser amado em retorno. Desenvolver um trabalho do qual possa me orgulhar, se esse fornecer a minha subsistência, tanto melhor. Mas, se não, fazê-lo mesmo assim. Quando digo de um trabalho que possa me orgulhar, digo envolver o outro. Um trabalho que seja um legado. Legado é algo que envolve transmissão, algo que se transmite para gerações. É algo que tem um valor que nada tem a ver com o capital.
Alguém me transmitiu esse legado de desenvolver um trabalho que não fosse estéril. Provavelmente foi minha mãe quem me ensinou isso, embora ela não tenha tido a oportunidade de fazê-lo. Acho que o que minha mãe me ensinou foi o que ela aprendeu da vida...
Quando entrei na faculdade já sabia qual seria minha causa, minha luta. Era contra a segregação. Mais especificamente contra a segregação daqueles considerados indignos da sociedade por não corresponderem às expectativas do capitalismo: produzir e consumir. Esses são chamados de loucos.
Hoje leciono na instituição onde iniciei o curso de psicologia. Há algo poético no lecionar. Freud dizia que a educação é uma das profissões impossíveis. Eu concordo em parte com isso, mas considero, ainda assim, uma bela tarefa. Fazer um jovem se questionar acerca de suas opiniões cristalizadas por uma lógica socialmente imposta é algo realmente maravilhoso. Dá tesão!
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A vida, por vezes, nos faz questionar o sentido da existência. Para a psicanálise há uma forma de estruturação da psique que nos protege disso, Freud a chamou de neurose. Há um mecanismo de defesa contra essa dor existencial, contra a verdade da morte, a verdade da fragilidade da vida, contra a ideia do desamparo. O ser humano é sempre só, não há nenhuma verdade que nos garanta e dê proteção. Essa é uma verdade cruel, e o neurótico tem como fosse uma cortina de fumaça na frente dessa verdade. Mas, vez ou outra, algum acontecimento da vida nos coloca frente à essas verdades crueis. Por sorte, nós neuróticos, somos muito criativos para reinventar significados e nos enganchar em novos sentidos para a existência. E é disso que estou falando nesse texto.
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Ao longo da vida fui recriando meus sentidos para continuar vivendo. Amadureci e o amadurecimento da idade torna muitas coisas mais fáceis. Tem outra coisa que torna a vida mais fácil e leve: o amor. No final de sua obra, depois de muito teorizar sobre como as pessoas poderiam sofrer menos, Freud disse: é amar e trabalhar. Amar não é fácil, é preciso uma certa predisposição ao amor. Em algum momento você se depara com alguém que tem um certo modo de te olhar que captura a sua existência inteira. É algo impossível de se colocar em palavras, mas vou tentar. Acho que a palavra sintonia define bem isso. Por sorte, além de tudo que descrevi acima, que dá sentido à vida, eu também encontrei esse alguém. A vida se tornou simples e até os planos mais ambiciosos e assustadores tornaram-se ridiculamente óbvios. É quando você encontra alguém que deseja levar a vida assim, em comunhão com os outros e com a beleza da vida.
Nós andamos muito distantes da natureza. O ser humano faz parte da natureza, e é por isso que, em geral, nos sentimos tão bem em frente ao mar ou contemplando o por do sol, ou até mesmo no meio do mato sentindo aquele cheiro delicioso da terra. Porque nós somos isso. Não à toa os maiores índices de patologias constam nas grandes cidades. O capital nos afasta da contemplação. Não há tempo de respirar ar puro, de sentar no chão e sentir a energia da terra, de pensar...
Sinceramente, acho difícil que a sociedade ocidental algum dia se livre da lógica do capital, também estou imersa nela, mas isso não me impede de questioná-la, de me distanciar o mínimo possível para respirar, para amar, para prolongar meus momentos de "sentimento oceânico"... Esse é um termo usado por Freud no texto "O mal estar na civilização". Trata-se de um sentimento de comunhão com o mundo. Algo que nos faz colocar em suspenso as preocupações mundanas e, simplesmente, ser um só com a vida, com a imensidão e complexidade da experiência existencial. Por isso, no texto, Freud diz tratar-se de uma experiência religiosa. Pouco a ver com o que entendemos, no senso comum, por religião. Mas tudo a ver com a palavra religião que, etimologicamente, significa religar, vincular, dar liga...
Então, já faz um tempo que quando eu penso sobre a vida, concluo: não preciso de mais nada. Amanhã posso precisar, posso mudar, quero mudar porque a vida é contínuo movimento do estar das coisas. Mas, por hoje, e "só por hoje, já sei que sou o que preciso ser..."

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