Depois de tudo, o que nos resta?
Vi um filme esses dias, “Depois de tudo”. A história de dois amigos que cresceram juntos, tocavam juntos, dividiam sonhos. Eles queriam viver de música.
Curioso que muitos artistas tem nesta frase a máxima de suas vidas: - quero viver de música. Isso pode significar manter-se financeiramente com o lucro que o trabalho com a música lhe der. Mas, pode também significar viver uma vida de música. E a música é a coisa mais poderosa do mundo. Não há limites para a música, não há classe social, raça, gênero, nação. Música é beleza. Eu acho que nesse filme, o segundo significado era o que mais fazia sentido durante a juventude daqueles dois amigos.
Mas, eles eram jovens, e ninguém é jovem a vida inteira. Eles foram de encontro à vida, para sugar toda beleza até o fim. E a vida os atingiu em cheio.
Em uma noite de imprudência, um acidente muda a vida dos dois amigos e da mulher que se colocava entre eles.
Uma situação catástrofe como essa, que deveria acarretar uma união ainda maior entre eles, os separa radicalmente. Um deles, que fica cego no acidente, persegue o sonho de “viver de música”. A mulher, segue sua vida da maneira mais solitária que se pode imaginar. O outro amigo, também não abandona a música, entrega sua força de trabalho em uma agência governamental responsável por avaliar a arte de terceiros.
Vinte anos depois os dois amigos se reencontram a partir de uma catástrofe ocorrida com a mulher: ela sofre uma overdose. A partir desse reencontro, os dois amigos tentam entender o que lhes aconteceu, onde foram parar seus sonhos, porque se renderam ao que há de pior na vida: a conformação.
E as descobertas que eles fazem – e que nós fazemos a partir dos diálogos que eles tecem – são de uma beleza ímpar.
Pelo que conto pode parecer se tratar de um filme triste. Não é. Pelo contrário, é um filme engraçado, passamos um bom tempo rindo, e terminamos o filme chorando. Mas não chorando de tristeza... chorando de beleza...
No filme, os dois amigos percebem que começam a sofrer quando passam a buscar a felicidade onde jamais poderiam encontrá-la. Mais que isso, eles percebem que se embrenharam numa busca impossível, e com isso acabaram se esquecendo que a felicidade não é ter, e sim ser, que esse ser feliz é fugidio, e que precisamos estar atentos, porque não podemos segurar o momento entre os dedos.
Dizem que os jovens são bobos, não pensam no dia de amanhã, são inconsequentes e irresponsáveis. De minha parte, quanto mais vejo minha juventude ir embora, mais eu penso que os jovens são muito sábios. Eles sabem em sua própria carne que não temos amanhã. E, além de viver como se não houvesse amanhã, eles também desconhecem a maldade humana. E isso por força da experiência mesmo; quanto menos se vive mais se acredita na vida...
Quanto mais vivemos, menos somos capazes de crer. Isso não é de agora, o mundo não está ruim agora. E, se soubéssemos a podridão que é engrenagem deste mundo, não poderíamos viver mais um segundo sequer nele.
E quando temos a real noção disso tudo, porque continuamos a viver?
Que força temos dentro de nós que nos impede de simplesmente desistir de ver e viver tanta maldade?
Enquanto escrevo este texto, na TV uma matéria sobre os últimos atos terroristas na França me desanima de viver neste mundo. Neste momento o estado em que eu moro vive um caos acarretado pela ganância de homens que não se importam com vidas sendo despedaçadas pela busca desenfreada por dinheiro.
Depois de tudo, o que nos resta?
Freud respondeu esta pergunta com a genialidade e sagacidade que sempre lhe caracterizou. Ele dizia que o amor nos salvaria.
“Precisamos amar para não adoecer”. Essa é a frase de Freud. Precisamos amar para não morrer. É o amor que nos salva da morte subjetiva e, em alguns casos, física.
É saber que franceses abriram suas casas a estranhos. Saber que a prefeitura de Mariana divulgou não precisar mais de doações, pois todo o necessário já lhes chegou de todas as partes do país.
Vocês transpiram amor, e nós sentimos. Eu sinto.
É deixar o amor entrar em sua vida quando tudo parece se resumir em desespero. Sempre que tudo parecer se resumir em dor...
Não há nada nessa vida que valha mais que aquilo que não tem valor.
Talvez seja melhor repensar tudo que nos fizeram engolir goela-abaixo durante a vida.
Porque deixamos sempre para depois o que nos é mais importante?
Porque estamos sendo deixados levar por caminhos que não nos trazem paz de espírito?
Quem foi que disse que em algum lugar ou em alguma cifra encontraremos a garantia de que tudo ficará bem?
E quando tudo estiver perdido, o que nos restará?
Depois de tudo, o que você terá para contar?
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