O produto desta atividade mental: sobre o tempo e a temporalidade

Temporalidade: estado do que é temporário, provisório.
Esses dias tenho me encontrado num estado mais nostálgico do que o habitual. Eu sei porque. Ouvi o álbum de um grande amigo que foi lançado esses dias, uma das músicas compus em parceria com ele há muitos anos, ouvi também outras canções que lembro ele me ligava e tocava para eu ouvir ao telefone. Éramos muito jovens. Lembrei daquele tempo. Naquela época vivi um tórrido romance com alguém que jamais seria possível, eu sabia, não insisti, era errado fazer aquilo. E ao lembrar disso pensei que, de fato, nunca fui pessoa de atitudes impensadas. Até hoje sou assim, já sofri muito por isso, pelo arrependimento do que poderia ter vivido. Hoje sei que a vida é feita de arrependimentos, quer você aja impulsivamente, quer não. Nós não temos tempo, vocês todos sabem disso, ainda que não pensem nisso diariamente (como eu, rs). Não temos tempo de viver tudo que desejamos porque a cada dia que passa desejamos mais. Nosso desejo é voraz, quer engolir o mundo. E é por isso que é tão importante que a vida esteja em constante mutação, ainda que muitas vezes a gente se amarre à algumas coisas. É que o desconhecido também mete medo. É a temporalidade das coisas que mantém nosso desejo em movimento. 
Mas e o desejo, respeita a temporalidade? Será que ao longo dos anos desejamos menos que quando somos jovens? É uma questão que a psicanálise deve responder, mas eu não sei. Talvez a gente apenas esteja muito cansado, quando velhos, para sustentar nossos desejos. A gente quer, mas tem preguiça.
As pessoas costumam dizer que quando somos jovens não temos limites, agimos impulsivamente, somos inconsequentes. Nunca fui. Aprendi desde muito cedo que quase nada estava ao meu alcance, que a vida era uma luta diária numa incansável construção de sentidos para se manter ali, de pé. Amadurecer cedo demais não é bom, não é natural. É uma questão interessante: viver uma vida de privações desde muito cedo lhe dá mais recursos para lidar com perdas e com limites? Eu me lembro da minha primeira perda significativa, meu cachorro Ranfer (não lembro o porque desse nome). Um sofrimento terrível. Depois, na adolescência, perdi um amigo, muito jovem para partir. Logo depois perdi minha avó. Ninguém pode conceber a morte, a morte é um limite inexorável da existência. Coloca-nos todos em igualdade de condições. Mas, em contrapartida, nunca me importei muito com privações materiais, com as impossibilidades da vida. Demorei para perceber o que eu poderia buscar na vida porque não tinha perspectiva alguma. Mas, consegui construir meus sentidos. Nunca deixei de desejar por causa disso.
A gente não deve abrir mão de nosso desejo nunca. Porque uma coisa eu falo pra vocês: isso não é possível. A gente consegue enganar o desejo, às vezes por muito tempo, mas não para sempre. Jacques Lacan que era um cara bem sabidinho disse uma frase que gosto muito, ele dizia que a única coisa que alguém pode ser culpado é de abrir mão do seu desejo: “Agiste em conformidade com o desejo que te habita?” – A gente não tem tempo! Se não temos tempo nessa vida para tudo que desejamos, imagina passar os parcos anos que temos camuflando o que queremos com outras coisas menos satisfatórias?

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